Por Leonardo Fraga Teixeira
A expressão é de cansaço e medo. Analisa tudo ao seu redor, como que procurasse a saída mais rápida. É assim que começa minha entrevista com Júlio, hóspede do Albergue Noturno Pousada da Paz, em Tubarão, que acolhe essas pessoas de vida sofrida, que pelas suas condições, roupas sujas, porque dormem na rua ou tem um estilo de vida diferente do “normal”, vivem à margem da sociedade.
Excluídos do nosso meio social, procuram na maioria das vezes uma saída, uma oportunidade para melhorar de vida. Júlio é um desses. Nascido em Criciúma, morou no bairro São Luís até ser expulso de casa, devido ao vício em crack. A droga que já destruiu tantas pessoas e separou tantas famílias, fez com que Júlio vendesse utensílios de casa e roubasse seus familiares para sustentar o vício.
Pedia como diz ele “na cara dura”, dinheiro para sua mãe, para comprar pedra de crack. A dependência estava tão grande que chegou a vender uma serra elétrica de seu padrastro. Foi o estopim, para ser expulso de casa, pois não dava mais para conviver com ele nesta situação.
Já andou por praticamente todo o sul de Santa Catarina. Quando saiu de casa, há dois anos pesava 180 quilos, hoje pesa 110 quilos. Com 25 anos, é um rapaz alto e forte. Sua face estampa uma expressão de “afaste-se” e para ajudar usa uma camisa do Sepultura. Seus pés são tortos, talvez devido ao seu peso e tamanho, ou a alguma lesão no tornozelo. Mas como saber, faz tempo que não vai ao médico.
Júlio sofre muito preconceito. É chamado de vagabundo, drogado. Percebe o olhar torto na rua, e, às vezes, as pessoas fingem que não o vêem. Manter a dignidade e o mais difícil, mas só quem vive essa situação sabe como é ser ignorado o tempo todo. Por sorte nem todas as pessoas acham que o morador de rua e invisível. Existem pessoas boas, que lhe oferece alimentos, apesar de não ser sempre. Já ficou dias sem comer. Em postos de gasolina ou casas de família, algumas vezes oferecem algo para comer. Mas geralmente a pessoa que vive na rua precisa pedir esmola para comprar comida, vasculhar o lixo atrás de sobras ou apelar para a solidariedade das pessoas.
Em se tratando de violência, o morador de rua perde a invisibilidade e se torna alvo fácil. Julio conta que certa vez estava dormindo na frente de uma igreja, e um homem começou a rodeá-lo, e olhar muito para ele. Percebendo a aproximação do estranho, Julio levantou e procurou outro lugar para dormir. Pessoas maldosas procuram pessoas que vivem nas ruas para maltratar, violentar, para saciar seu prazer irracional praticando violência.
Júlio ficou sabendo do Albergue Noturno Pousada da Paz em Laguna, quando estava em outro albergue em Laguna, veio a Tubarão em busca de trabalho, para tentar sair desta vida. “Não aguento mais isso, quero trabalhar, conseguir um bom dinheiro, ajeitar minha vida para tentar voltar para casa e ver novamente minha mãe”, diz Julio. Segundo ele e muito difícil, pois não tem estudo e os empregos que ele poderia pegar seria serviço braçal, mas nem isso ele consegue. “Sem curso não sou digno”, lamenta. Diz que quando chega ao escritório de alguma construtora pedindo serviço, não e contratado. A pessoa encarregada desconversa, nega ou diz para voltar mais tarde. Assim ele fica, com esperança de arrumar algo. No dia desta entrevista, Julio aguardava uma resposta de uma construtora, que ficou de arrumar serviço para ele. No dia da eleição trabalhou como flanelinha, ajeitando os carros em um colégio eleitoral.
O vício em drogas que o levou para fora de casa, ainda o acompanha. Júlio conta que já conseguiu serviço em uma construção, mas após um mês trabalhando, a vontade de usar a droga foi tão forte que ele simplesmente abandonou o emprego, desperdiçando mais uma chance. O vice-presidente do albergue de Tubarão, Edgar Jose Farias conta que 62 por cento dos albergados estão vivendo na rua porque são alcoólatras, 6 por cento são viciados em crack e 18,7 por cento tem DST (doenças sexualmente transmissíveis).“Recebemos no albergue uma media de três mil pessoas por ano, umas trezentas pessoas por mês, a maioria são homens, cada um com uma historia de vida diferente, mas todos precisam de ajuda”, conta Edgar.
Quando foi expulso de casa, Julio morou quatro meses com um tio. Este lhe ofereceu casa, comida, estudo, uma vida igual ao de seu filho. Mas novamente o vicio levou Julio a desperdiçar mais esta chance. Como esta querendo mudar de vida agora, diz que já faz um mês que não usa nada. Ganhou vinte reais, e não usou. “Eu era um “chinelão”, agora estou tentando mudar. Vamos ver o que vai ser”, diz Júlio.
Conta que certa vez passou na frente da UNISUL, e pensou em tudo o que perdeu, praticamente jogou fora. Por isso procura uma saída. Saída essa muito difícil de achar sozinho, vivendo na rua, sem amigos, sem família, sem nada nem ninguém. Morar na rua é enfrentar uma sucessão de obstáculos. Comer, dormir, ir ao banheiro, tudo é muito difícil e sua mente fica muito abalada. Isso leva estas pessoas que vivem na rua a acharem nas drogas uma fuga da vida real.
Julio não e de se abrir, anda sozinho porque diz que “melhor sozinho do que mal acompanhado”. Despeço-me dele desejando sorte, esperança e fé, para que ele consiga o que busca. “Nem sei por que falei tudo isso, nem sei por que me abri tanto, realmente estou tentando mudar”, fala Julio levantando e indo jantar no albergue, local que dá um pouco de dignidade para estas pessoas que procuram uma saída.
Matéria extraída da edição do EXTRA da turma de Jornalismo da UNISUL - 6º Semestre